A Vida Sem Muro Alto nem Grades no Portão


Férias de verão no Brasil. Ao chegar de carro em São Paulo, meu filho de cinco anos pergunta: “Mamãe, por que as casas aqui em São Paulo tem grades no portão? “Difícil explicar para uma criança acostumada a brincar em uma tranquila rua residencial do subúrbio da Califórnia, sobre a violência urbana, assaltos relâmpagos e trombadinhas.
Para o meu filho, muro alto e grades no portão não fazem parte de sua realidade. Já para a maioria dos brasileiros e, principalmente, dos paulistanos, a violência é algo normal, com a qual nos acostumamos a lidar todos os dias. Para quem nasce e cresce em São Paulo, a violência torna-se algo natural, como uma terceira perna que nos faz andar devagar e tropeçar, mas que nem nos damos conta de sua existência. Há uma década atrás, eu também tinha uma terceira perna e nem me dava conta de sua existência. Hoje, vejo o quanto ela atrapalhava minha vida, prendia-me ao chão e me colocava em um estado de inércia; um misto de precaução, alerta e um certo pânico enrustido. Mas para mim, tudo isso era normal… Não imaginava que poderia viver com apenas duas pernas, correr livre, rápido, sem preocupar-me em segurar fortemente minha bolsa embaixo do braço.
Apenas em abril de 2012, foram registrados 9.595 roubos na cidade de São Paulo, uma média de 319 por dia.* Talvez, mais do que a onda de violência, o que me choca é ver a impotência e letargia do povo brasileiro. Nós brasileiros estamos sempre à espera de que algum político milagroso ou salvador da pátria resolva todos os nossos problemas. Sabemos reclamar, criticar e fazer piadas; porém, ao invés de levantarmos as mangas e trabalharmos em conjunto para mudar nosso país, preferimos esconder-nos em carros blindados e condomínios fechados. Enquanto não entendermos que a mudança tem que partir de baixo para cima, ficaremos reféns de nossos próprios males.
Uma das grandes diferenças culturais entre o Brasil e os Estados Unidos é o senso de comunidade que os americanos possuem. O americano sabe que se trabalhar em prol da melhoria da escola, do bairro ou da cidade, usufruirá dos benefícios de uma educação pública de qualidade, de um bairro seguro e uma melhor qualidade de vida para seus filhos. Não é raro vermos os americanos organizarem-se em grupos para arrecadar dinheiro para uma causa, limpar o jardim da escola pública do bairro ou mesmo influenciar a política regional.  Os americanos sabem que as grandes mudanças acontecem com pequenas atitudes.
Cito como exemplo um episódio ocorrido em minha própria vizinhança, no subúrbio da Baía de São Francisco, Califórnia; onde os moradores se comunicam, se ajudam, trocam experiências e informações através do Yahoo Groups. Quando alguém presencia uma situação ou acontecimento suspeito, logo trata de informar a todos os vizinhos através do Yahoo Groups. Certo dia, um homem vestido em um uniforme da companhia elétrica estava rondando o bairro, a fim de verificar se havia algum vazamento ou equipamento que precisasse de manutenção. Logo, um dos vizinhos enviou um e-mail ao grupo perguntando se o suposto funcionário da companhia elétrica havia tocado a campanhia de outras casas também. Logo, todos os moradores do bairro trocavam e-mails e um deles até compartilhou o número da polícia local. Finalmente foi comprovada a autenticidade do funcionário da companhia elétrica e que este tinha permissão para checar os relógios de luz. Por mais banal e corriqueiro que pareça, esse episódio deixa clara a participação ativa dos americanos e o conceito de envolvimento comunitário.
Na maioria das cidades americanas, as casas não tem muros altos nem portões com grades. Claro que a polícia e a lei funcionam por lá, enquanto que no Brasil sofremos as mazelas da corrupção e impunidade. Entretanto, nos Estados Unidos, os próprios cidadãos tomam para si a responsabilidade de manter a segurança e buscar melhorias. Já o brasileiro, prefere adaptar-se à terceira perna, abrindo mão de sua liberdade e qualidade de vida, à espera de que alguém, algum dia, resolva os problemas do país. Mas tudo bem… Contanto que ainda tenha carnaval, futebol e que possa tirar férias com as crianças na Disney, o brasileiro vai vivendo feliz.

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